sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Análise: Amor

Poucos filmes conseguem retratar o fim da vida de maneira tão forte, brutal e inevitável, mas ainda assim tão poética quanto Amor, nova obra do diretor austríaco Michael Haneke. Amor é uma surra cinematográfica: o tipo de filme que não te dá paz, te conduz até um desfecho que você sabe bem como será, mas que te prende em uma teia de roteiro sólido, belas tomadas e direção caprichada, de forma que você simplesmente se recusa a sair enquanto tudo não estiver terminado. Haneke é um diretor de imenso talento, com uma filmografia vasta e que, assim como em Amor, toca em temas delicados, sempre com uma estética rica. Com seu novo longa, porém, seu reconhecimento internacional parece ter triplicado, em boa hora. O maior exemplo disso são as cinco indicações do filme ao Oscar (filme, filme estrangeiro, direção, atriz e roteiro original). O sucesso é justificado. Ao mesmo tempo em que Amor é um dos filmes mais chocantes dos últimos tempos, é também um dos mais bonitos.

Os veteraníssimos Jean-Louis Trintignant (que atuou, entre outros, em Um Homem, Uma Mulher, Z e A Fraternidade é Vermelha) e Emanuelle Riva (que estreou em Hiroshima, Meu Amor e fez também A Liberdade é Azul, esse último após uma longa pausa na carreira) são Georges e Anne, um casal de professores de música aposentados na faixa dos 80 anos que mora em um apartamento em Paris. Após uma cirurgia para desbloquear uma artéria sair errado, Anne sofre um derrame e fica com o lado direito do corpo paralisado, tendo que se conformar com uma vida em uma cadeira de rodas. Porém, esse é apenas o começo da deterioração de sua saúde.

Essa é a premissa simples de Amor. A partir dela, somos convidados a assumir o mesmo papel de Georges: assistir a irreversível e lenta partida de Anne. Enquanto marido tenta tornar a vida da esposa o mais confortável possível, ainda que tenha que superar os próprios sentimentos primeiro, ela se recusa a aceitar seu estado. E quem poderia julgar? Haneke é impiedoso. Por meio de pequenas cenas, gestos e diálogos, eles nos aproxima de Georges e Anne e nos faz entender tudo que se passa pela cabeça dos dois diante da fatalidade. Sua câmera quase não se move, de modo que às vezes filma tudo sem pudor, enquanto outras vezes prefere mostrar o nada. A técnica é usada com sabedoria, e o efeito é sempre impactante. Riva tem o trabalho mais difícil, o de se mostrar frágil e gradativamente incapaz, mas Trintignant tem uma missão tão delicada quanto, a de ser a força onde a princípio não existe nenhuma. Ambos estão impecáveis. Há também a participação de Isabelle Huppert como a filha do casal. Sua personagem funciona como elemento externo, uma ruptura ao casal e sua casa, e é uma adição interessante, embora esporádica.

Amor é um filme extremamente difícil. Seu tema é denso, pesado e toca em uma parte da vida que, embora certa e inevitável, preferimos varrer para debaixo do tapete. Ele nos faz confrontar a perspectiva da morte, de maneira direta, sem rodeios ou floreios. Com exceção das tomadas iniciais, toda a ação se passa dentro do mesmo apartamento, o que aumenta a sensação de aprisionamento pelo destino. Apesar disso, é um filme com uma beleza que nasce da simplicidade de sua proposta. O "amor" do título não é decorativo nem está ali para enganar alguém. Mas a vida não só termina como pode ser árdua e cruel antes disso. É a maneira como enfrentamos o que está por vir - e virá, não há jeito - que faz a diferença. Tenho a sensação de que é isso que Haneke quer dizer, no fim das contas.

Nota: 5,0 de 5,0.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Análise: O Som ao Redor

Filmes que retratam a expansão urbana e os choques e tensões decorrentes são bastante comuns nos últimos tempos. O que, na verdade, é algo bastante natural e sintomático. Porém, o tema parece ter encontrado um de seus melhores defensores em O Som ao Redor, primeiro filme de ficção de Kléber Mendonça Filho. Mais ainda, o filme é uma das melhores produções do cinema nacional recente, filho de uma indústria que sofre muitas críticas de maneira bastante injusta. Quando se olha para longe das produções de grandes estúdios - leia-se as comédias genéricas ou os pseudo-dramas que não passam de novelões da Globo Filmes -, descobre-se boas pérolas nacionais, com roteiros e direção que não devem nada às produções de países com um cinema consolidado há anos.

O Som ao Redor não explica-se demais, deixando ao público juntar muitas peças de seus vários quebra-cabeças, e isso trabalha a seu favor. Sua premissa básica é acompanhar a rotina de um grupo de moradores de uma rua de classe média alta de Recife. Essa rotina é abalada após a chegada de uma equipe de segurança que é contratada pelos moradores para tentar conter a criminalidade ascendente da região, apesar de ganhar a desconfiança de muitos. Debaixo da trama, existem várias camadas de dramas e situações peculiares a cada personagem, ainda que seja inadequado falar em sub-trama já que cada camada contribui com peso igual para a história. Em especial, e uma das maiores metáforas do filme, está o duelo da dona de casa e mãe de família, entediada e frustrada com a vida e que coloca os filhos para estudar mandarim além do inglês, contra o cachorro dos vizinhos, que passa as madrugadas latindo.

De muitas formas, Recife é uma metáfora, um cenário que poderia ser qualquer capital do Brasil. O som é o grande e óbvio símbolo do filme. Sempre onipresente e invasivo, ele representa a expansão urbana e suas consequências indesejadas. Um incômodo, representante de tudo que está errado. A vida da cidade grande é barulhenta e paranoica, o filme de Mendonça Filho nos prova de maneira assustadora. A violência a que somos submetidos é apenas a ponta do problema. Porém, há uma discussão mais velada, embora tão significativa quanto, a respeito de conceitos como espaço público e propriedade. Nesse aspecto, o Nordeste e seu histórico de coronelismo é um cenário bastante interessante. A última frase do filme é muito significativa, e seu duplo sentido parece resumir bem a discussão da fina linha entre liberdade e aprisionamento nas capitais do progresso e dos condomínios de grades e sistemas de vigilância. A sensação de encarceramento, aliás, seja pelos limites urbanos ou pela própria vida que os personagens levam é constante e reforçada pelo fato de que a maior parte das passagens do filme acontece na mesma rua.

De modo geral, O Som ao Redor consegue explorar uma pluralidade de temas, todos relativos à vida no século XXI, sem se perder ou ter seu ritmo prejudicado. Não só o roteiro de Kléber Mendonça Filho é muito bom, como também sua direção é realmente boa. Sem dúvida, já é um dos cineastas brasileiros mais promissores. Também gostei bastante da fotografia, que rende alguns dos planos mais bonitos que já vi no cinema nacional. Créditos a Pedro Sotero e Fabrício Tadeu. O filme tem colecionado prêmios em festivais e mostras em vários lugares como Rio de Janeiro, Gramado, Nova York, Copenhague e Roterdã, e ganhou destaque por entrar na lista de melhores filmes de 2012 do New York Times, reconhecimento bem-vindo e muito justo. É um filme consideravelmente perturbador, que pende fortemente para os malefícios e problemas de ser viver em uma cidade grande nos anos 2010. Mesmo para alguém tão urbano e que vê tantas qualidades e tanta vida na agitação das metrópoles quanto eu, é impossível ignorar a mensagem e reconhecer seu peso.

Nota: 5,0 de 5,0.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Análise: As Aventuras de Pi

Como filmar o que não pode ser filmado? Como expressar emoções tão profundas em meio ao mais simples dos cenários, em uma proposta que limita, por sua própria natureza, um vasto leque de possibilidades? Se você conta com o gênio de um diretor como Ang Lee e o roteiro com toque de mestre de David Magee, isso fica fácil. Trabalhar com cenários limitados ou elenco reduzido não é uma novidade no cinema, mas As Aventuras de Pi, de Ang Lee, consegue se destacar como uma superprodução minimalista ao trabalhar uma premissa de difícil execução com sensibilidade apurada e colocando na medida certa os ingredientes de sua receita. Adaptado do romance de Yann Martel, o filme vai do drama à aventura e à fantasia   com fluidez notável, e é provavelmente o filme mais espiritual e carregado de sentimento de Lee até aqui.

O cerne da trama é simples: Pi (Irrfan Khan), um indiano dono de um zoológico no Canadá, conta a um escritor a respeito dos 227 dias que sobreviveu sozinho como náufrago em um barco após um naufrágio que matou sua família, tendo como única companhia um tigre-de-bengala, animal do zoológico de seu pai, quando tinha 16 anos (interpretado pelo estreante Suraj Sharma). Sobreviver à natureza, como Pi logo percebe, é apenas parte do problema, já que o isolamento e a solidão cobram um preço bastante alto por sua presença indesejada e a linha entre realidade e ilusão começa a se desfazer cedo demais.

Porém, sob essa superfície, mas não exatamente ocultos, estão temas relativos à natureza humana que se tornam altamente pertinentes e significativos conforme o filme avança para seu desfecho. A essência e a importância da religião são o tema que salta primeiro aos olhos - o escritor procura Pi em busca de uma história que o inspire a acreditar em Deus -, contudo também se faz presente uma discussão, de maneira sutil e impressionante, sobre os limites do ser humano e sua capacidade de sobreviver, reerguer e recomeçar, mesmo após a maior das tragédias. De certo modo, alguém poderia dizer que, além disso tudo, As Aventuras de Pi é um história de como contar uma história. Essa interpretação provavelmente está tão certa quanto todas as outras. No final, a mensagem que fica é bastante diferente daquela que você poderia esperar no começo, mas é sem dúvida uma das mais importantes e relevantes dos últimos tempos.

A direção de arte e a fotografia de Claudio Miranda são responsáveis por dar vida e versatilidade a um cenário que por cerca de 70% do filme se resume a um barco e ao oceano. Unidos, formam um milagre cinematográfico. Os efeitos especiais são provavelmente os melhores do ano, com destaque para a cena do naufrágio e claro, o impressionante tigre de CGI, uma das criações mais verossímeis da computação gráfica para cinema. Tecnicamente impecável e indicado a 11 Oscars (filme, direção, roteiro adaptado, fotografia, montagem, efeitos especiais, mixagem de som, edição de som, design de produção, trilha sonora e canção), As Aventuras de Pi coroa em especial o talento de duas pessoas: Suraj Sharma, olhos, ouvidos, corpo e coração de Pi. Ainda que sua performance não tenha sido um reconhecimento universal, injustamente, ele segura com mérito e basicamente sozinho a missão de levar às câmeras até a mais sutil das emoções da história. O outro destaque, claro, é Ang Lee e sua direção sempre competente. Ele não tenta revolucionar a maneira de fazer cinema aqui (Em O Tigre e o Dragão suas "brincadeiras" são mais explícitas, por exemplo), porém é justamente a simplicidade da proposta o que a torna especial. O produto final é um filme esplendidamente realizado e, possivelmente, um dos mais bonitos dos últimos tempos.

Nota: 5,0 de 5,0.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Análise: Detona Ralph

Quem me conhece, sabe que eu gosto bastante de video games. Tendo sido criado com um Super Nintendo e, posteriormente, com um Nintendo 64 em casa, não poderia ser de outra maneira. O fato de eu ter três consoles em casa talvez fale por si só, embora eu tenha que fazer meu melhor para dividir a atenção entre eles com tempo limitado. Esse amor é em parte responsável por eu ter gostado tanto de Detona Ralph, a mais recente animação 3D da Disney. Outro responsável é muito mais simples: o filme é realmente bom. Apesar de sua aura atrativa para gamers, ele pode ser muito bem apreciado, em função de seus temas universais, por quem não tem muito contato com o universo dos video games, e esse é um ponto forte a seu favor. Em especial, ele é uma lufada de ar fresco depois de dois anos com poucas animações que realmente conseguiram trazer algo novo ou simplesmente empolgar fãs pelo mundo.

Explorando um universo vastíssimo, o roteiro decidiu focar seus protagonistas no mundo dos arcades, ou fliperamas, como ficaram conhecidos no Brasil, os tradicionais video games operados a base de moedas. Detona Ralph é o vilão do game Conserta Felix Jr., onde antagoniza o personagem título promovendo uma onda de destruição, até ser fatalmente vencido ao fim de cada partida. O problema é que fazendo a mesma coisa diariamente por trinta anos, Ralph está em uma crise de identidade. Cansado de viver no ostracismo, ser repudiado pelos outros personagens de seu jogo por suas vilanias e incapaz de encontrar ajuda com os outros colegas vilões - no mundo de Detona Ralph os personagens podem viajar pelo sistema de cabos da loja onde moram e entrar em outros jogos -, Ralph decide que está na hora de uma mudança de ares. Em seu caminho atrás de reconhecimento e uma medalha de herói, ele conhece outros games e, em um deles, uma simpática garotinha corredora, Vanellope, com quem forma um laço. Mas, como não poderia deixar de ser, a tentativa de Ralph de mudar a ordem pré-estabelecida coloca o mundo dos video games em súbito perigo - e é aí que as coisas começam a ficar intensas.

O filme dirigido por Rich Moore é uma proposta leve e divertida. Ele puxa temas bastante consagrados - isolamento, a busca de um lugar no mundo e a revolta com a ordem existente - e os trabalha sob uma roupagem diferente e uma abordagem inovadora e sem peso. O roteiro te leva pelos lugares onde você espera que ele irá passar, sem que você se importe, e conduz para um desfecho que, embora esperado, é completamente satisfatório e realizado com emoção. O visual também é exuberante, e se beneficia do universo gamer para criar cenários diversificados e ricos, ora sombrios, ora imensamente coloridos, de acordo com as necessidades. Os personagens principais são bem construídos: Vanellope é uma das melhores personagens femininas de animação dos últimos tempos, fofa quase sempre e irritante quando necessário, Ralph é o perfeito vilão em busca de redenção e o par de coadjuvantes, Conserta Felix Jr. (não é preciso pensar muito para ver em quem esse carpinteiro foi inspirado) e a Sargento Calhoun (que é mais ou menos como seria Samus Aran, da série Metroid, em um jogo que seguisse a linha de Call of Duty) são adições bastante interessantes.

Satisfatório para o público em geral, mas com apelo particular para os fãs de video game, Detona Ralph pode não ser uma sequência desenfreada de referências a jogos e personagens na tela. Verdade, muitos personagens foram licenciados para fazer aparições, e temos Bowser, Sonic, Zangief, Chun Li (numa cena piscou-perdeu), entre outros fazendo pontas. Mas a intenção do filme nunca foi fazer uma homenagem - acaba sendo, mas de maneira indireta. Explorando um universo rico e cheio de possibilidades, Detona Ralph quer apenas contar sua história, e esse é o foco que quem vai assistir deve ter em mente. Assim, vai curtir sempre que reconhecer algo na tela e aproveitar uma grande animação, indicada com justiça ao Oscar de melhor animação.
Ps.: Antes do filme está sendo exibido o curta O Avião de Papel, também indicado ao Oscar ontem, na categoria curta de animação. Outro que vale muito a pena, história simples e bonita.

Nota: 5,0 de 5,0.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Análise: As Vantagens de Ser Invisível

"We accept the love we think we deserve"

Eu me lembro claramente que quando estava no colégio (e lá se vão cinco anos desde que terminei o ensino médio), uma das coisas que eu evitava ao máximo fazer era demonstrar conhecimento a respeito de um determinado assunto. Eu sempre tive inclinação e habilidade para as áreas humanas, de forma que gostava de pesquisar e aprender sobre história, geografia, literatura e línguas. Apesar disso, o mundo de um adolescente é, a princípio, cruel, e dar sinais de qualquer interesse maior do que é "saudável" em assuntos curriculares nunca é visto com bons olhos. Então você segue a dança. Comecei essa resenha com esse pedaço de lembrança porque foi ele que me permitiu me conectar logo cedo com o protagonista de As Vantagens de Ser Invisível, filme do diretor de primeira viagem Stephen Chbosky, adaptado de seu próprio livro.

Pela lente e enredo de Chbosky seguimos Charlie (Logan Lerman), um garoto que, como meu eu adolescente e tantos outros no mundo, busca algumas coisas fundamentais: aceitação, pertencimento, a sensação de ser importante para algo ou alguém. Sugado de seu mundo infantil de fantasia para um mundo mais frio e incerto, após sofrer uma série de perdas e tropeções em pedras no caminho, seu único objetivo é sobreviver ao ensino médio. E ele está convencido de que terá que fazer isso sozinho, até conhecer Sam (Emma Watson) e seu irmão, Patrick (Ezra Miller). Sam e Patrick, acostumados a não pertencerem ao grupo dos populares e seguros de quem são, tornam-se a chance de redenção para o solitário Charlie, que se vê, pela primeira vez, parte de algo. Mas logo fica claro que os dois irmãos possuem demônios tão fortes quanto os de Charlie para destruir, e Charlie, que tanto precisa de ajuda, também pode ajudar.

Partindo de uma premissa simples - a adolescência pode ser um inferno para os que a cruzam sozinhos (e quase todos se sentem assim em algum momento) -, Chbosky consegue pôr vida e esperança em uma trama que ele conhece tão bem e que em momento algum perde seu ritmo ou deixa sua mensagem se perder. O cenário de "adolescente que precisa aprender a crescer" não é nem de perto algo novo - desde a década de 1980 o cinema americano já o explora, às vezes com ótimos resultados, às vezes terminando em verdadeiras tragédias -, porém o autor e diretor de As Vantagens de Ser Invisível sabe aonde quer ir e exatamente o que quer dizer, ainda que não faça nenhuma revolução cinematográfica ou precise disso. Assim como depois da tempestade vem a bonança, todo inferno há de acabar e o que vem depois é maravilhoso, mas para isso talvez seja necessário vencer os próprios medos primeiro.

É claro, é impossível deixar de elogiar o trio de protagonistas. Logan Lerman é conhecido como o personagem-título da série Percy Jackson, Ezra Miller ganhou os críticos como o também personagem-título de Precisamos Falar Sobre o Kevin e se você esteve em algum lugar do planeta Terra nos últimos doze anos, deve saber que Emma Watson interpretou Hermione Granger na série Harry Potter. Acredito que o filme seja o melhor momento até aqui de todos os três: Lerman segura bem o papel mais difícil do que parece, Miller mais uma vez rouba cenas e Watson teve uma evolução incrível como atriz na última década. E, para fechar, deixo meu último elogio para David Bowie e sua Heroes, que pode muito bem daqui para a frente ser conhecida apenas por "a música do túnel". Poucas vezes letra e melodia se casaram tão bem com o que aparece na tela e foram tão pertinentes. Graças a Bowie e As Vantagens de Ser Invisível, não resta dúvida: podemos ser heróis. Ainda que só por um dia.

Nota: 5,0 de 5,0.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Análise: Argo

"Argo fuck yourself"

Ben Affleck não é um grande ator. Na verdade, na maior parte das vezes ele é simplesmente mediano, no melhor. Porém, a cada novo trabalho me convenço que Affleck é também um profissional maravilhoso e extremamente competente quando está por trás das câmeras. Ele já havia dado uma mostra disso com seu roteiro, em parceria com Matt Damon, de Gênio Indomável (1997), que transformou os dois atores em vencedores do Oscar. Seus trabalhos posteriores como diretor foram recebidos com entusiasmo pela crítica, mas o consenso parece apontar que Argo, seu trabalho mais recente, é também sua melhor investida no cinema até aqui. O thriller político é baseado em um evento real bastante peculiar na longa de história de rivalidade entre Estados Unidos e Irã.

Em 1979, o mundo assistiu o que foi talvez o momento mais incerto na política externa americana desde a Crise dos Mísseis de Cuba. Enfurecido pelo asilo político que os Estados Unidos oferecia ao ex-Xá da Pérsia, Reza Pahlavi, e incitado por seu novo governante, o Aiatolá Khomeini, um grupo de militantes iranianos invadiu a embaixada americana e fez mais de 50 reféns, numa crise que se arrastaria por meses. Porém, sem que os iranianos desconfiassem, seis funcionários conseguiram escapar e buscaram refúgio na casa do embaixador canadense. Coube a Tony Mendez (aqui interpretado pelo diretor Affleck), especialista em resgates da CIA, fazer a "extração" dos seis diplomatas. O estratagema montado é,  não a toa, realmente digno de filme, com Mendez entrando no Irã sob disfarce de um produtor procurando uma locação exótica para um suposto longa de ficção científica, o tal Argo do título.

O roteiro assinado por Chris Terrio é muito bom, embora não fuja dos clichês do gênero ou deixe de adicionar fatos à história real, em prol da linguagem cinematográfica. Existem as forçações de barra para o lado americano que se poderia esperar do filme, culminando em uma quase total omissão do Canadá na operação, quando o país foi chave para todo o processo, e uma cena final nada sutil e que flerta com o brega descaradamente. Ainda assim, o filme é tecnicamente muito bem montado e suas cenas de tensão e suspense realmente funcionam. A direção de Affleck é notável e faz com que uma trama que poderia soar como "acho que já vi isso antes" ganhe vida própria. E, em meio a um elenco estelar, os destaques ficam por conta de Alan Arkin, interpretando um produtor de Hollywood - inventado para o filme - que oferece ajudas práticas a Mendez para driblar as burocracias da indústria do cinema e completar sua missão, e John Goodman, como o maquiador John Chambers (que trabalhou em O Planeta dos Macacos), que também oferece sua consultoria a Mendez.

Argo foi indicado a cinco Globos de Ouro (filme, diretor, roteiro, ator coadjuvante para Arkin e trilha sonora para o genial Alexandre Desplat) e é altissimamente cotado para ser o retorno de Affleck à cerimônia do Oscar. De toda maneira, é um filme que vale a pena ser assistido e que compensa suas falhas, além de sinalizar um amadurecimento de Affleck e uma nova vida no cinema para ele. Não é um trabalho de gênio, mas é entretenimento garantido e segura as próprias pretensões com bastante habilidade.

Nota: 4,5 de 5,0.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Análise: O Segredo da Cabana

Cinco jovens americanos decidem se afastar do mundo e passar um fim de semana em um lugar isolado para dedicar-se a experiências que envolvem muito sexo e drogas. No caminho, encontram um homem muito estranho, que os adverte dos perigos da região. Eles vão em frente mesmo assim, sem saber que estão libertando um mal antigo e poderoso. Um a um, eles são mortos das maneiras mais sanguinolentas possíveis. No final, a última sobrevivente, uma garota completamente comum e que escapou dos últimos assassinatos correndo e gritando, consegue, de maneira inacreditável, conter a ameaça e voltar à sua vida normal. Resumido assim, temos um modelo quase universal do "terror universitário americano", consagrado na década de 1980 e que ainda dá frutos. Um olhar desatento poderia colocar O Segredo da Cabana nesse esquema. Ledo engano. Um dos filmes mais criativos dos últimos tempos, ele consegue ao mesmo satirizar esse estilo e ser um excelente trabalho de cinema de terror - um feito duplo notável.

Colaboração do diretor e roteirista Drew Goddard e do também roteirista Joss Whedon (que dirigiu, esse ano, Os Vingadores), o filme é ao mesmo tempo homenagem e crítica aos slasher movies, aquele estilo de terror com muitas mutilações, cabeças decepadas e sangue espirrando na tela - homenagem ao gênero em si e sua história, mas crítica ao que ele se tornou nos últimos anos, com roteiros genéricos e um advento do que muitos chamam de torture porn, onde os personagens são torturados para deleite do público. A distinção pode ser tênue, mas é muito clara para Goddard e Whedon, que buscam resgatar conceitos com uma atmosfera real de medo e um roteiro inteligente, que faça o espectador realmente torcer pelos personagens, e não por seu fim sangrento (ainda que eles tenham que acontecer, de qualquer forma).

No balanço de amor e ódio, O segredo da cabana é um filmaço de terror, do tipo que é melhor não adiantar qualquer coisa da história e deixar o espectador juntar as peças conforme assiste. Basta dizer que está perfeita a combinação entre terror, suspense e comédia (não se pode nem dizer alívio cômico - apesar de ter uma trama "séria", o longa usa a comédia quase como um elemento de ligação do roteiro, um humor negro muito satírico e com uma mensagem bastante interessante por trás). Fica claro que, no fundo, por trás do filme existem dois apaixonados pelo terror, e alguém mais atento conseguirá captar referências a vários clássicos do gênero. No elenco do filme estão veteranos como Richard Jenkins e Bradley Whitford, enquanto o time dos jovens isolados e lutando pela vida conta com o "Thor" Chris Hemsworth e Kristen Connolly no papel da protagonista, claramente um arquétipo de todas as heroínas de terror dos anos 1980 que você lembrar.

O resultado final é um filme que poderia até se tornar esquizofrênico entre tantas referências e intenções, mas sai bastante leve e, em sua pretensiosa despretensão, consegue atingir sua meta de trazer algo novo para o gênero. Apesar disso, fica o aviso de que um certo gosto por terror e no mínimo uma tolerância a sangue nas grandes telas é necessária - certa sequência na parte final do filme é provavelmente umas das maias sangrentas já produzidas. Para os fãs, a dica é certa: é um dos melhores terrores do ano, e forte candidato ao topo desse posto. Todas as sessões do filme no Festival do Rio já foram exibidas, mas calma: nos próximos meses ele entrará em cartaz no grande circuito. Não pode deixar a oportunidade passar.

Nota: 4,5 de 5,0.

sábado, 6 de outubro de 2012

Análise: Great Expectations

Grandes Esperanças, o romance considerado a obra-prima de Charles Dickens, deve ser um dos livros mais adaptados da história do cinema (O Morro dos Ventos Uivantes não deve vir muito atrás). No Festival do Rio desse ano, o público carioca pode conferir em primeira mão a versão do famoso diretor inglês Mike Newell para a grande trama de Dickens, com produção da BBC. E Newell faz seu trabalho, embora sem lá muito brilho. Por ser uma história tão batida nas telas do cinema, ainda que o texto de Dickens seja algo genial, ficava a esperança que essa adaptação pudesse trazer algum elemento novo, que revivesse a obra no âmbito da sétima arte. Não é exatamente o que acontece.

É preciso deixar claro: tecnicamente, não há nada de errado com o filme. Newell é um diretor competente, embora nem sempre brilhante, e em seu Great Expectations o que se vê é uma direção segura, sem dúvida, com um trabalho de fotografia bastante interessante e atuações de peso. Mas talvez esse também seja o grande problema do filme: é tudo tão exato que fica quadrado, com ar de filme para televisão (em termos de linguagem - nenhum preconceito), de manual de cinema. O roteiro é razoavelmente fiel, redondinho, fechadinho. Todas as características técnicas estão em seu lugar, cumprindo seu papel. Ainda assim, fica a sensação de que o filme poderia ter arriscado mais, procurado uma abordagem diferente. Apesar de qualquer competência, dificilmente será uma versão lembrada com muito entusiasmo daqui a alguns anos.

No mais, o grande destaque fica por conta das atuações. Com um texto tão forte, a seleção de atores de ponta escalados não deixa por menos. O leque de personagens clássicos de Dickens é representado por Robbie Coltrane como o advogado Jaggers; Ralph Fiennes, fazendo um grande trabalho com Magwitch; e Helena Bonham Carter, mais uma vez roubando a cena, agora como a sinistra Miss Havisham. Aliás, dá até para pensar que Dickens escreveu sua história em 1860 pensando em Carter, já que o papel cai como uma luva para a atriz. Jeremy Irvine e Holliday Grainger, que interpretam os protagonistas Pip e Estella, estão bem, mas preferi levemente a atuações de Toby Irvine e Helena Barlow, que fazem os personagens enquanto crianças.

Quem quiser conferir, o filme ainda será exibido hoje, dia 6, às 14h e 19h no Fashion Mall, e terça, dia 9, às 14h50 e 21h30 no Shopping da Gávea.

Nota: 3,0 de 5,0.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Análise: Moonrise Kingdom


"I love you, but you have no idea what you’re talking about."

Não é preciso saber muito previamente sobre Moonrise Kingdom ou ser um grande fã de Wes Anderson para apreciar uma hora e meia de excelente cinema. Uma mistura equilibrada e bastante saborosa de comédia, romance, drama, aventura e umas pitadas de fantasia transforma-se no filme mais universal e bem-acabado do diretor. O conto de duas crianças de 12 anos - um órfão e uma menina problemática - que, apaixonadas, fogem para o interior de uma idílica ilha na década de 1960 não se limita em momento algum a ser uma "historinha para crianças", como uma olhada rápida na sinopse poderia enganar. O roteiro de Anderson e Roman Coppola, junto com a direção bem característica de Anderson, tornam o longa uma obra que sintetiza com magia as dificuldades de crescer - e ser adulto - em um mundo cheio de expectativas e requisitos a serem cumpridos.

Nada no filme é mais peculiar que a relação dos protagonistas, Sam e Suzy. Duas crianças problemas, mas que, quando juntas, precisam encontrar a conciliação entre os impulsos juvenis e as responsabilidades da vida adulta. Ao mesmo tempo em que põe em prática a ideia - que já cruzou pelo menos uma vez a cabeça de muitas crianças - de fugir de casa, precisam lidar com situações básicas de sobrevivência e entender os próprios sentimentos um com o outro - a vibração do primeiro amor, que traz muito mais confusão do que completude, a descoberta da própria sexualidade e as dores e delícias de conviver com outra pessoa. E se Suzy se esconde por trás de uma máscara de maquiagem, roupas adultas e tentativas de soar madura, sua própria dificuldade de entender o mundo dos pais - devolvida pela quase infantilidade deles na hora de lidar com os filhos - e seu ato de roubar livros da biblioteca para sentir algum arroubo juvenil entregam o turbilhão de conflitos que a menina carrega. E que criança de 12 anos não carrega?

E é em não exagerar nem deixar a desejar nas tintas de seus personagens infantis - ou pelo menos dentro do possível, considerando a tendência de Anderson de fazer de seus personagens sempre curiosas e divertidas caricaturas (mas nunca caricatos) - que reside um dos grandes méritos do filme. Aqui, entra o contraponto com os personagens adultos, sempre parecendo fugir de seus próprios conflitos e não sabendo lidar com os próprios problemas, em comparação com a franqueza e simplicidade das crianças. Nessa oposição adultos meio crianças e crianças meio adultas, feita com bastante leveza e originalidade, reside, talvez, a moral da história: há cada vez menos equilíbrio num mundo que pede que assim seja, mas dar um pouquinho de ouvido para a criança em nós e a sinceridade que ela grita não faz mal, de vez em quando.

O resto é um esplendor técnico notável. A direção de arte é caprichada, a fotografia de Robert Yeoman é um espetáculo que já vale o ingresso e as atuações são incríveis. Bruce Willis, Edward Norton, Frances McDormand, Bill Murray, Tilda Swinton e Harvey Keitel estão no tom certo no elenco adulto, mas o destaque vai, sem dúvida, para Jared Gilman e Kara Hayward, os protagonistas. O roteiro, abrindo mão muitas vezes da verossimilhança para acrescentar mais valor ao clima de fantasia do longa, brinca com diferentes linguagens e faz 94 minutos passarem voando. A última sessão do filme no Festival do Rio foi ontem, mas logo logo ele entrará em circuito para todo o Brasil. Apenas imperdível.

Nota: 5,0 de 5,0.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Emmy: O dia seguinte


Às vezes arrastado, muitas vezes divertido, com sua cota rotineira de premiações surpreendentes. O 64º Emmy, entregue ontem à noite, não foi nem de perto as três horas de televisão mais divertidas do ano. Precisando ser bastante burocrático para evitar alongar-se demais, o que é sempre um risco em potencial quando se tem tantas categorias, o Emmy fez sua parte de entregar prêmios bem, ainda que isso tenha sacrificado um pouco a diversão do processo. Não que o apresentador Jimmy Kimmel não tenha feito sua parte. Suas tiradas eram realmente divertidas, sua presença de palco é inegável e ele mostrou ser capaz de provocar os indicados com bastante classe.

Talvez o grande problema tenha sido a previsibilidade da cerimônia. Na primeira categoria da noite, já ficou claro que pela terceira vez seguida Modern Family seria o destaque em comédia. Quando Damian Lewis faturou o prêmio de melhor ator em drama, Homeland já tinha dado seu xeque-mate. E se Game Change já era favorita para ganhar como filme para televisão, cada evento da noite parecia um prelúdio para isso. Sim, toda premiação acaba caindo, tradicionalmente, na previsibilidade uma hora ou outra, mas se existe um ritmo interessante na cerimônia, isso fica em segundo plano.

Acho, porém, que no fim das contas nada disso faz diferença. Se muitos dizem que as séries americanas (em especial as dramáticas) estão vivendo sua era de ouro, eu sou obrigado a concordar. Qualquer série na categoria principal de drama faria um vencedor à altura. A qualidade desses produtos transbordava para fora da tela. É verdade, Mad Men e Game of Thrones saíram de mãos vazias, algo chocante em especial para a primeira. Sim, vá lá, dar um Emmy para Jon Cryer nesse momento, com atores como Jim Parsons e Louis C.K. como concorrentes em trabalhos mais atuais - em todos os sentidos -, pareceu bastante precipitado. Apesar de tudo isso, se a intenção era fazer uma grande festa para a arte na televisão, a festa foi feita. Com tantos trabalhos tão bons, não poderia ser diferente.

Ah, sim, quanto às minhas apostas: ainda bem que não me levei a sério. Não fosse pelas óbvias favoritas, como Claire Danes e Maggie Smith, meu resultado seria catastrófico. Por sorte, foi só ruim.

A lista completa de vencedores, você confere aqui:


Série Dramática
Homeland
Série Cômica
Modern Family
Minissérie ou Telefilme
Virando o Jogo/Game Change
Ator de Série Dramática
Damian Lewis, Homeland
Ator de Série Cômica
Jon Cryer, Two And A Half Men
Ator de Minissérie ou Telefilme
Kevin Costner, Hatfields & McCoys
Atriz de Série Dramática
Claire Danes, Homeland
Atriz de Série Cômica
Julia Louis-Dreyfus, Veep
Atriz em Minissérie ou Telefilme
Julianne Moore, Game Change
Ator Coadjuvante em Série Dramática
Aaron Paul, Breaking Bad
Ator Coadjuvante em Série Cômica
Eric Stonestreet, Modern Family
Ator Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme
Tom Berenger, Hatfields & McCoys
Atriz Coadjuvante em Série Dramática
Maggie Smith, Downton Abbey
Atriz Coadjuvante em Série Cômica
Julie Bowen, Modern Family
Atriz Coadjuvante em Minissérie ou Telefilme
Jessica Lange, American Horror Story
Roteiro – Série Dramática
Alex Gansa, Gideon Raff e Howard Gordon, Homeland – Pilot
Roteiro – Série Cômica
Louis C.K., Louie – Pregnant
Roteiro – Minissérie, Telefilme ou Especial
Danny Strong, Game Change
Direção – Série Dramática
Tim Van Patten, Boardwalk Empire – To The Lost
Direção – Série Cômica
Steven Levitan, Modern Family – Baby On Board
Direção – Minissérie, Telefilme ou Especial
Jay Roach, Game Change