quinta-feira, 22 de março de 2012

Flashback: Rede de Intrigas

Eu já mencionei, mais exatamente em minha resenha de Taxi Driver, que considero 1976 talvez o melhor ano para o cinema de todos os tempos (empatando, provavelmente, com 1994). A quantidade de filmes que viriam a ser considerados clássicos lançados em 1976 é impressionante. Dentro desse leva espetacular está Rede de Intrigas - Network, no original -, filme do grande Sidney Lumet, falecido em 2011, um dos melhores cineastas que Hollywood já conheceu. Não apenas o roteiro do filme é simplesmente genial, como é impossível deixar de ver nele algo de profético. Produzido numa época em que a televisão era algo bem diferente, Rede de Intrigas parece ter previsto a loucura que tomaria conta das emissoras décadas depois, além do advento do jornalismo de sensacionalismo. Isso também contribui para dar um caráter quase universal à trama do filme, que faz por merecer seu posto de marco do cinema dos anos 1970.

Howard Beale (Peter Finch) é um dos âncoras há mais tempo em atividade na rede de televisão UBS, apresentando há muitos anos um tradicional programa jornalístico. Porém, sua audiência não é mais a mesma, o que leva o departamento de jornalismo da emissora a decidir aposentar seu programa. Após receber a notícia de seu chefe e amigo de longa-data Max Schumacher (William Holden), Beale entra numa depressão profunda, que o leva a anunciar em rede nacional que, devido a seu afastamento, irá cometer suicídio em frente às câmeras no próximo programa. O anúncio enfurece seus superiores, mas acaba tendo efeito contrário no público, que faz com que o jornal volte ao topo dos índices de audiência e Beale se torne novamente uma estrela. O jornalista, por sua vez, se torna uma espécie de cronista e profeta de seu tempo, cunhando a frase de fúria "I'm mad as hell and won't take it anymore", que rapidamente cai no gosto popular (e, por sua vez, se tornou uma das mais famosas do cinema).

O sucesso de Beale logo chama a atenção de Diana Christensen (Faye Dunaway), a ambiciosa chefe do departamento de programação. Em busca desesperadamente de um grande sucesso, Diana convence seu chefe, o mau-caráter Frank Hackett (Robert Duvall), a transferir Beale para o departamento de entretenimento, entregando ao jornalista cada vez mais neurótico um programa de auditório. Ao mesmo tempo, Diana seduz Max e o envolve em um relacionamento extra-conjugal extremamente problemático. Enquanto Max se envolve completamente, Diana, por sua vez, passa a se preocupar com o fenômeno Beale que ela própria ajudou a criar. A loucura do jornalista e a absoluta devoção do público para com ele logo se tornam quase insustentáveis, e Diana e Frank precisam pensar numa solução para evitar perder ainda mais o controle da situação.

Howard Beale é praticamente uma premonição do roteirista Paddy Chayefsky ao sensacionalismo e aos programas de auditório centrados no carisma de seu apresentador. Beale encontra eco em vários profissionais do meio atuais, inclusive no Brasil. Mais do que isso, sua trama desmistifica o jornalismo e escancara os jogos de poder que acontecem nos bastidores, onde conceitos de informação e qualidade jornalística são o que menos importa. A genialidade do roteiro de Chayefsky transborda nas telas. O filme possui alguns dos melhores diálogos e monólogos já produzidos para o cinema. Ironia e humor negro conferem uma agilidade notável a trama, criando um tom único para o longa: uma obra de temas densos e pesados, mas retratada sob a fina veia da comédia e a direção espetacular de Lumet.

Alimentando tudo isso, estão as atuações impecáveis do elenco, um dos melhores que Hollywood já colocou em uma mesma produção. Além de um Oscar de roteiro, o filme levou os prêmios de atriz para Dunaway, ator para o esplêndido Finch (póstumo, já que infelizmente o ator faleceu aos 60 anos pouco depois de terminar de gravar suas cenas), e atriz coadjuvante para Beatrice Straight (a atuação mais curta a ganhar um Oscar), o que revela o prestígio que o longa e seu elenco obtiveram consequentemente. Rede de Intrigas é um grande feito cinematográfico, uma análise seca, porém vital, do universo do jornalismo, mandatório para quem se interessa por cinema. Uma das mais bem-trabalhadas obras de Lumet, que merece todo o reconhecimento que ganhou ou ainda ganhará.

Nota: 5,0 de 5,0.

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