quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Análise: As Aventuras de Pi

Como filmar o que não pode ser filmado? Como expressar emoções tão profundas em meio ao mais simples dos cenários, em uma proposta que limita, por sua própria natureza, um vasto leque de possibilidades? Se você conta com o gênio de um diretor como Ang Lee e o roteiro com toque de mestre de David Magee, isso fica fácil. Trabalhar com cenários limitados ou elenco reduzido não é uma novidade no cinema, mas As Aventuras de Pi, de Ang Lee, consegue se destacar como uma superprodução minimalista ao trabalhar uma premissa de difícil execução com sensibilidade apurada e colocando na medida certa os ingredientes de sua receita. Adaptado do romance de Yann Martel, o filme vai do drama à aventura e à fantasia   com fluidez notável, e é provavelmente o filme mais espiritual e carregado de sentimento de Lee até aqui.

O cerne da trama é simples: Pi (Irrfan Khan), um indiano dono de um zoológico no Canadá, conta a um escritor a respeito dos 227 dias que sobreviveu sozinho como náufrago em um barco após um naufrágio que matou sua família, tendo como única companhia um tigre-de-bengala, animal do zoológico de seu pai, quando tinha 16 anos (interpretado pelo estreante Suraj Sharma). Sobreviver à natureza, como Pi logo percebe, é apenas parte do problema, já que o isolamento e a solidão cobram um preço bastante alto por sua presença indesejada e a linha entre realidade e ilusão começa a se desfazer cedo demais.

Porém, sob essa superfície, mas não exatamente ocultos, estão temas relativos à natureza humana que se tornam altamente pertinentes e significativos conforme o filme avança para seu desfecho. A essência e a importância da religião são o tema que salta primeiro aos olhos - o escritor procura Pi em busca de uma história que o inspire a acreditar em Deus -, contudo também se faz presente uma discussão, de maneira sutil e impressionante, sobre os limites do ser humano e sua capacidade de sobreviver, reerguer e recomeçar, mesmo após a maior das tragédias. De certo modo, alguém poderia dizer que, além disso tudo, As Aventuras de Pi é um história de como contar uma história. Essa interpretação provavelmente está tão certa quanto todas as outras. No final, a mensagem que fica é bastante diferente daquela que você poderia esperar no começo, mas é sem dúvida uma das mais importantes e relevantes dos últimos tempos.

A direção de arte e a fotografia de Claudio Miranda são responsáveis por dar vida e versatilidade a um cenário que por cerca de 70% do filme se resume a um barco e ao oceano. Unidos, formam um milagre cinematográfico. Os efeitos especiais são provavelmente os melhores do ano, com destaque para a cena do naufrágio e claro, o impressionante tigre de CGI, uma das criações mais verossímeis da computação gráfica para cinema. Tecnicamente impecável e indicado a 11 Oscars (filme, direção, roteiro adaptado, fotografia, montagem, efeitos especiais, mixagem de som, edição de som, design de produção, trilha sonora e canção), As Aventuras de Pi coroa em especial o talento de duas pessoas: Suraj Sharma, olhos, ouvidos, corpo e coração de Pi. Ainda que sua performance não tenha sido um reconhecimento universal, injustamente, ele segura com mérito e basicamente sozinho a missão de levar às câmeras até a mais sutil das emoções da história. O outro destaque, claro, é Ang Lee e sua direção sempre competente. Ele não tenta revolucionar a maneira de fazer cinema aqui (Em O Tigre e o Dragão suas "brincadeiras" são mais explícitas, por exemplo), porém é justamente a simplicidade da proposta o que a torna especial. O produto final é um filme esplendidamente realizado e, possivelmente, um dos mais bonitos dos últimos tempos.

Nota: 5,0 de 5,0.

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