sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Análise: O Som ao Redor

Filmes que retratam a expansão urbana e os choques e tensões decorrentes são bastante comuns nos últimos tempos. O que, na verdade, é algo bastante natural e sintomático. Porém, o tema parece ter encontrado um de seus melhores defensores em O Som ao Redor, primeiro filme de ficção de Kléber Mendonça Filho. Mais ainda, o filme é uma das melhores produções do cinema nacional recente, filho de uma indústria que sofre muitas críticas de maneira bastante injusta. Quando se olha para longe das produções de grandes estúdios - leia-se as comédias genéricas ou os pseudo-dramas que não passam de novelões da Globo Filmes -, descobre-se boas pérolas nacionais, com roteiros e direção que não devem nada às produções de países com um cinema consolidado há anos.

O Som ao Redor não explica-se demais, deixando ao público juntar muitas peças de seus vários quebra-cabeças, e isso trabalha a seu favor. Sua premissa básica é acompanhar a rotina de um grupo de moradores de uma rua de classe média alta de Recife. Essa rotina é abalada após a chegada de uma equipe de segurança que é contratada pelos moradores para tentar conter a criminalidade ascendente da região, apesar de ganhar a desconfiança de muitos. Debaixo da trama, existem várias camadas de dramas e situações peculiares a cada personagem, ainda que seja inadequado falar em sub-trama já que cada camada contribui com peso igual para a história. Em especial, e uma das maiores metáforas do filme, está o duelo da dona de casa e mãe de família, entediada e frustrada com a vida e que coloca os filhos para estudar mandarim além do inglês, contra o cachorro dos vizinhos, que passa as madrugadas latindo.

De muitas formas, Recife é uma metáfora, um cenário que poderia ser qualquer capital do Brasil. O som é o grande e óbvio símbolo do filme. Sempre onipresente e invasivo, ele representa a expansão urbana e suas consequências indesejadas. Um incômodo, representante de tudo que está errado. A vida da cidade grande é barulhenta e paranoica, o filme de Mendonça Filho nos prova de maneira assustadora. A violência a que somos submetidos é apenas a ponta do problema. Porém, há uma discussão mais velada, embora tão significativa quanto, a respeito de conceitos como espaço público e propriedade. Nesse aspecto, o Nordeste e seu histórico de coronelismo é um cenário bastante interessante. A última frase do filme é muito significativa, e seu duplo sentido parece resumir bem a discussão da fina linha entre liberdade e aprisionamento nas capitais do progresso e dos condomínios de grades e sistemas de vigilância. A sensação de encarceramento, aliás, seja pelos limites urbanos ou pela própria vida que os personagens levam é constante e reforçada pelo fato de que a maior parte das passagens do filme acontece na mesma rua.

De modo geral, O Som ao Redor consegue explorar uma pluralidade de temas, todos relativos à vida no século XXI, sem se perder ou ter seu ritmo prejudicado. Não só o roteiro de Kléber Mendonça Filho é muito bom, como também sua direção é realmente boa. Sem dúvida, já é um dos cineastas brasileiros mais promissores. Também gostei bastante da fotografia, que rende alguns dos planos mais bonitos que já vi no cinema nacional. Créditos a Pedro Sotero e Fabrício Tadeu. O filme tem colecionado prêmios em festivais e mostras em vários lugares como Rio de Janeiro, Gramado, Nova York, Copenhague e Roterdã, e ganhou destaque por entrar na lista de melhores filmes de 2012 do New York Times, reconhecimento bem-vindo e muito justo. É um filme consideravelmente perturbador, que pende fortemente para os malefícios e problemas de ser viver em uma cidade grande nos anos 2010. Mesmo para alguém tão urbano e que vê tantas qualidades e tanta vida na agitação das metrópoles quanto eu, é impossível ignorar a mensagem e reconhecer seu peso.

Nota: 5,0 de 5,0.

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