O modo mais justo de começar essa resenha de Sombras da Noite é confessar que acho Tim Burton um diretor superestimado. Certo, ele fez alguns longas realmente interessantes na década de 1990 e Peixe Grande é inegavelmente um filme bonito e simpático, mas o status privilegiado de Burton junto ao universo do cinema como um todo sempre me pareceu fora de proporção. Apesar disso, sempre insisti em acompanhar seus filmes, pois sempre percebi algumas qualidades que não deveriam ser menosprezadas, como seu cuidado visual impecável e o clima que suas obras invariavelmente apresentam, com sua inclinação ao surreal e ao burlesco. Porém isso nem sempre é o bastante para salvar uma produção, o que é o caso evidente de Sombras da Noite, filme baseado em uma famosa soap opera americana da década de 1960 criada por Dan Curtis, mas que parece ter sido destinada a Burton. A afinidade do diretor com a estética da história poderia ter rendido um resultado memorável, mas, infelizmente, isso não chega nem perto de acontecer, por uma série de erros que acabam ficando escancarados.
A história começa no final do século XVIII, quando a família inglesa Collins se muda para o Maine e funda a cidade de Collinsport, fazendo uma fortuna com a pesca. Porém, o filho dos Collins, Barnabas (Johnny Depp), um tipo conquistador, seduz Angelique Buchard (Eva Green) embora não esteja apaixonado por ela e desconhecendo o fato de que ela é uma feiticeira. Quando Barnabas se apaixona por Josette Du Pres (Bella Heathcote), Angelique se vinga conduzindo a moça ao suicídio. Desesperado, Barnabas tenta se matar também, mas a feiticeira faz com que ele se transforme em um vampiro antes de ter sucesso, condenando-o a passar uma vida eterna amaldiçoada. Incitando a população de Collinsport contra Barnabas, Angelique se torna a nova governante do lugar, enquanto o vampiro é enterrado em um local remoto.
Duzentos anos se passam, até que Barnabas é libertado acidentalmente de sua sepultura em 1972. Entrando em choque com o novo mundo, ele retorna até a casa de sua família e se reúne com seus últimos descendentes: Elizabeth (Michelle Pfeiffer), a matriarca da família; sua filha rebelde de 15 anos, Carolyn (Chlöe Grace Moretz); o irmão de Elizabeth, o boa-vida Roger (Jonny Lee Miller); e seu filho, atormentado pela morte da mãe, David (Gulliver McGrath). Lá também moram os funcionários da casa: a psiquiatra de David, Dra. Hoffman (Helena Bonham Carter), o zelador, Willie (Jackie Earle Haley), e a nova governanta, Victoria, que Barnabas percebe ser a reencarnação de Josette. Após alguns conflitos iniciais entre a família e Barnabas, o vampiro decide ajudar seu clã a recuperar a glória de outros tempos, em especial após descobrir que Angelique ainda vive, disfarçada como uma descendente de si mesma, e foi determinante para a ruína de seus descendentes.
As características que tornaram Burton famoso estão todas presentes no filme. Estética sombria, altas doses de humor negro e um preciosismo notável com a direção de arte, que aliás deve ser a melhor entre todos os filmes do diretor. Isso, contudo, não é suficiente para segurar a fragilidade do roteiro, que contém alguns erros que atrapalham muito. Para começar, tudo é muito apressado. É natural que, pela natureza da adaptação, muita coisa presente na soap opera acabasse ficando de fora, mas a tendência do roteiro de querer abraçar o mundo sem conseguir explorar nenhum assunto realmente bem deixa o filme vago. Os fatos mais absurdos são aceitos com muita naturalidade (ainda que se considere toda a estética surrealista da obra), talvez simplesmente porque não há tempo para mais do que isso. O roteiro sufocado também faz com que basicamente nenhum personagem seja bem desenvolvido, o que contribui para um subaproveitamento de ótimos atores - Michelle Pfeiffer passa o filme inteiro sem dizer a que veio e a cada vez mais promissora Chlöe Grace Moretz fica sem ter muita coisa pra fazer -, além de criar um grande desinteresse com relação aos personagens. Afinal, fora os arcos dramáticos de Barnabas e Angelique, tramas com potencial como as de David, Victoria ou da Dra. Hoffman ficam no ar, subaproveitadas.
Perdido em sua própria trama que não se decide nunca entre o terror, o drama ou a comédia (esta última opção é a que rende as melhores tiradas do filme), Sombras da Noite fica dependente de seus ocasionais bons momentos - a piada com o McDonalds's me divertiu de verdade e é facilmente a melhor cena do filme. Esses bons momentos, entretanto, são esporádicos demais para impressionar. O filme pode até entreter um espectador ocasional, mas dificilmente sobrevive na cabeça muito tempo depois da saída do cinema. Um claro sinal de que Burton está precisando se reinventar e, sim, que sua parceria com Depp está precisando urgentemente de renovação e um pouco de ar fresco, para o bem dos dois.
Nota: 2,5 de 5,0.
0 comentários:
Postar um comentário