Esta semana, o clássico da ficção Blade Runner: O Caçador de Androides completou trinta anos. Enquanto o filme passou longe de ser um sucesso na ocasião de lançamento, tornando-se algo próximo de um fracasso de bilheteria, foi justamente o tempo quem fez justiça ao filme de Ridley Scott, que voltava a visitar o gênero após Alien: O Oitavo Passageiro. Enquanto Alien brincava com metáforas para sexualidade ocultas sob a atmosfera do terror, Scott e os roteiristas Hampton Fancher e David Peoples trabalharam com uma gama imensa de referências pop em Blade Runner, mergulhando-as no molho do noir para utilizar os androides da trama como reflexões sobre a condição humana. Tantas influências poderiam ter gerado um resultado esquizofrênico, mas o talento de Scott impediu isso. O que se seguiu, na verdade, foi um filme que não pode ficar de fora de qualquer lista de melhores do cinema.
A trama, ambientada numa Los Angeles decadente de 2019 (o que era um futuro bem longe em 1982), gira em torno de Rick Deckard (Harrison Ford), um caçador de replicantes (androides criados para serem mais perfeitos que os próprios humanos e trabalharem no espaço, mas que foram proibidos de visitar a Terra) aposentado, que é levado de volta à ativa quando um grupo de replicantes se rebela e desembarca no planeta. Liderados por Roy Batty (Rutger Hauer), eles querem encontrar seu criador para questionar as motivações por trás da própria existência e pedir mais tempo de vida (já que os replicantes são programados para morrer após certo tempo). Em sua caçada, Deckard encontra Rachael (Sean Young), assistente do tal criador que não desconfia que é, ela mesma, uma replicante. Quando a verdade a encontra com um choque e é confirmada por Deckard, os dois começam um relacionamento intenso, mas fadado a um fim abrupto. Enquanto isso, as ruas de uma sombria Los Angeles viram cenário para uma caçada sangrenta, cujo desfecho é ao mesmo tempo belo, trágico e inesperado.
O filme ganhou uma variedade de versões ao longo dos anos, em grande parte pela insatisfação de Scott com o final "feliz" veiculado nos cinemas em 1982, que suavizava as insinuações de que o próprio Deckard era um replicante e garantia um futuro para ele e Rachael. Na versão do diretor, lançada anos depois, o desfecho é mais sombrio e incerto. Qualquer que seja o caso, a questão toca no tema central de Blade Runner: a humanidade. Os replicantes, embora "vilões", parecem possuir sentimentos mais identificáveis do que os humanos, que por sua vez são frios e práticos. É só lembrar da cena próxima ao final onde Gaff (Edward James Olmos), referindo-se a Rachael, diz: "It's too bad she won't live! But then again, who does?" (É uma pena que ela não vá viver! Mas afinal, quem vive?). É impossível deixar de notar a metáfora religiosa: os androides estão atrás de seu Criador para tentar compreender suas próprias existência e mortalidade. Os replicantes são nada mais que um simbolismo para nós mesmos, sempre em busca de respostas e tentando reverter a brevidade da vida, mas terminando com mais dúvidas do que antes na cabeça. Invertendo as concepções de humano e androide, Blade Runner traz o questionamento dos limites da humanidade e, por fim, o que podemos entender desse conceito e qual é, afinal, sua importância numa sociedade cada vez mais tecnológica e robótica.
Em linguagem de cinema, o filme é um espetáculo para os olhos. Uma ficção noir contando com direção de arte e fotografia supremas e a maravilhosa e icônica trilha sonora de Vangelis ao fundo. O longa talvez seja a atuação mais firme de Harrison Ford, um lenda do cinema de ação, que dá vida e depressão ao amargurado Deckard. Há também a presença de uma jovem Daryl Hannah como a sensual replicante Pris, mas é sem dúvidas Rutger Hauer quem rouba a cena. Seu solilóquio final, que foi uma mistura de improvisação de Hauer com elementos do roteiro, tornou-se extremamente famoso e atiçou a imaginação dos fãs de sci-fi ao redor do mundo. Para mim, além de tudo isso, as linhas finais do personagem Batty formam um dos momentos mais bonitos da história do cinema, resumindo toda a moral do filme e arrepiando pela grandeza e simplicidade. É justamente o vídeo dessa cena que escolho para encerrar essa análise. Só resta afirmar que são filmes como Blade Runner que renovam a cada dia meu amor pelo cinema.
Nota: 5,0 de 5,0.
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