sábado, 14 de julho de 2012

Análise: Na Estrada

Existem diretores que acabam se especializando em determinados tipos de filme. No caso de Walter Salles, suas experiências anteriores com Central do Brasil e Diários de Motocicleta o qualificam para reclamar o posto de melhor diretor de road movies de nosso tempo. Sua terceira investida no gênero é Na Estrada, adaptação do romance semi-biográfico de Jack Kerouac, considerado um dos maiores clássicos contemporâneos da língua inglesa. Não tendo lido o livro, algo que aliás gostaria de já ter feito há muito, fui às cegas ao cinema sem qualquer expectativa a respeito do conteúdo, mas com muitas em relação ao prestígio de Salles. Saí sem ter a sensação de que o filme se equiparava aos dois filmes de estrada já mencionados do diretor, mais redondinhos em sua finalização, mas ainda assim com a de que vi uma obra de notável qualidade, com problemas estruturais, é verdade, mas com características bastante redentoras que falam mais alto.

O filme narra a história de Sal Paradise (Sam Riley), pseudônimo para o próprio Kerouac, um escritor com sérios problemas de bloqueio criativo que leva uma vida intensa e boêmia com outros jovens intelectuais que formam as origens da Geração Beat, que conquistaria o panorama literário americano nos anos seguintes. Por meio de seu amigo Carlo Max (Tom Sturridge), pseudônimo de Allen Ginsberg, Sal conhece Dean Moriarty (Garrett Hedlund), inspirado no grande amigo de Kerouac, Neal Cassady. Tanto Sal quanto Carlo fascinam-se pela figura de Dean, um nômade de paixões intensas que gosta de viajar pelo país, aberto a experimentações e sem criar raízes. Dean personifica a Geração Beat, e pelos olhos de Sal somos arrastados com o grupo em suas viagens pelos Estados Unidos, marcadas por drogas, situações inusitadas e autodescobrimento. Conhecemos mais sobre Dean na figura das mulheres que conquista, em especial Marylou (Kristen Stewart), sua paixão de anos da qual ele se recusa a abrir mão, e Camille (Kirtsen Dunst), aquela que o convence a tentar uma vida "normal". Mas é nas ações de Dean que realmente conseguimos entender o que ao mesmo tempo fascina e confunde Sal, levando tudo a um dos desfechos mais melancólicos dos últimos tempos.

A direção de Salles é competente, como sempre. Ele consegue extrair o melhor de vários pontos do roteiro que em outras mãos passariam batidos. Salles não tem medo de explorar abertamente o uso de drogas e a retratar de maneira crua a sexualidade de seus personagens, que constitui parte fundamental da obra. A fotografia de Éric Gautier é instrumento fundamental para criar o clima, e, juntos, Salles e Gautier conseguem fazer algo do outro mundo em cenas como as experiências com drogas dos personagens, deixando seu telespectador um pouco entorpecido também. O roteiro de Jose Rivera é bom, embora bastante longo. Talvez a sensação seja diferente para quem leu o material original, mas às vezes o excesso de fidelidade com o livro cria situações que acrescentam pouco ao desenvolvimento dos personagens, como o relacionamento de Sal com Terry (Alice Braga). Afinal, Dean é o grande foco do filme e da vida do próprio Sal, como ele mesmo admite, sempre se posicionando à sombra e tendo uma inegável sensação de vazio quando está longe do amigo. Porém, os momentos de destaque do texto e a direção segura de Salles vem em resgate e, embora não poupem o longa de parecer estar se estendendo um pouco além da conta, nunca o deixam ficar pesado em excesso.

O grande destaque nas atuações é Hedlund, que consegue passar a intensidade desmedida de seu Dean e construir um personagem quase trágico e apaixonante, apesar de todas as suas falhas evidentes. Para quem temeu uma atuação irregular de Kristen Stewart, atriz que sempre divide opiniões, ela segura as pontas da personagem, ainda que passe longe de se destacar. Porém, há algo em sua Marylou que soa bastante natural e faz Stewart parecer a escolha certa para o papel, apesar de tudo. Há excelentes participações especiais de Viggo Mortensen, Amy Adams, Steve Buscemi, Terrence Howard e Elisabeth Moss ao longo do filme, que enriquecem o filme e aliviam a tensão sempre focada em Sal e Dean.

Talvez Na Estrada não seja exatamente um filme fácil para todos, devido ao conteúdo extremamente polêmico para sua época do livro inspirador e que ainda hoje soa muito forte para alguns públicos, o que, somado a estrutura e duração do longa o torne repelente para certas pessoas. Ainda assim, vale a pena pegar mais essa estrada que Salles no convida. Não é um filme tão fácil de gostar quanto Central do Brasil ou Diários de Motocicleta - a comparação é um tanto inevitável no caso -, e talvez não esteja mesmo no mesmo patamar, mas ainda vale o ingresso de quem gosta de cinema bem-feito e de mente aberta, de quem se interessa na Geração Beat, ainda que não seja nem de perto a análise detalhada do movimento que alguns gostariam, ou de quem simplesmente gosta de botar o pé na estrada de vez em quando e tem que, vez por outra, superar seus próprios bloqueios criativos.

Nota: 4,0 de 5,0.

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