quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O cinema no cinema: Quando os filmes falam de si

No dia 30 de outubro de 1938, um jovem e talentoso ator de nome Orson Welles levava ao ar A Guerra dos Mundos, adaptação radiofônica da história clássica de H.G. Wells. Durante uma hora, Welles utilizou a própria linguagem do rádio para imitar plantões jornalísticos que noticiavam uma suposta invasão marciana na Terra. As consequências da história são famosas: não foi o caos completo que muita gente gosta de pintar - a maior parte das pessoas entendeu a brincadeira -, mas muita gente levou a encenação a sério (vale lembrar que o mundo estava nas vésperas de uma grande guerra anunciada e esperada, e a tensão cotidiana devia ser algo inimaginável). Houve processos da parte de muita gente que abandonou suas casas às pressas julgando estar vivendo uma invasão real. O incidente ganhou o mundo e entrou para a história. Tudo porque Welles descobriu que a metalinguagem, um instrumento brilhante de narrativa, se encaixaria muito bem nas caixas de rádio ao redor do mundo. A técnica não era nova, mas as pessoas não estavam acostumadas a tê-la numa transmissão de rádio, sequer cogitavam isso poder acontecer.

E o que isso tem a ver com o cinema, afinal? Estamos no segundo mês de 2012, num momento em que 2011 ainda está muito presente nas nossas cabeças. Sendo assim, ainda pensamos no que o ano passado nos trouxe em matéria de cinema e analisamos as respostas que encontramos. Os nomes de três filmes me ocorrem rapidamente, por seus temas que podem muito bem ser interligados sem qualquer esforço: Super 8, O Artista, A Invenção de Hugo Cabret. Em Super 8 é mais sutil: o filme é homenagem mais a um estilo de cinema do que ao cinema como um todo. Sua reverência é a Spielberg e seu cinema de ficção das décadas de 1970/1980, ao Spielberg de Contatos Imediatos e de ET. Mas homenagear uma parte do todo já não envaidece o todo? Já quanto a O Artista e A Invenção de Hugo Cabret, a intenção é mais explícita. Eu preciso adiantar que não vi esses filmes ainda, mas não estou querendo discutir aqui suas qualidades, mas sim seu objetivo, seu tema principal, seu coração. São dois filmes de adoração ao cinema, e a palavra não é nenhum exagero. São cartas de amor abertas a quem quiser ler. O cinema de 2011 quis, antes de tudo, falar sobre cinema.

Muita gente me pergunta - e quem dera eu, um simples blogueiro de cinema, poder responder a todas essas perguntas altamente especializadas - como um filme mudo e preto e branco pode ser o favorito ao Oscar. Essa eu acho que arrisco responder. Ele se tornou o que se tornou porque não quer ser só mudo e preto e branco, mas ele quer aplaudir o cinema das origens que era, vejam só, mudo e preto e branco. O Artista não é uma história de amor, uma comédia, um drama de superação, embora possa ter tudo isso em si. Ele é uma história sobre o cinema, em essência, e isso é impossível de se resistir. Hugo Cabret vai pelo mesmo caminho. Uma filme "para crianças" com mais indicações no ano? Sim, para crianças. E para adultos que descobriram quando crianças a magia das grandes telas, também. Esse ato de olhar para o passado e dizer "Parabéns e muito obrigado, sem você não estaríamos aqui" é mais do que humildade, reconhecimento ou talvez pretensão: é mostrar que a arte sempre pode voltar ao seu ponto de partida e se reinventar.

Sim, é verdade que isso não é algo específico do cinema de 2011. Muitos já fizeram antes. Crepúsculo dos Deuses já fez antes. Cantando na Chuva já fez antes. A Rosa Púrpura do Cairo já fez antes. Cinema Paradiso já fez antes. Hoje todos são clássicos, filmes metalinguísticos que se destacaram da maioria por sua excelência. Talvez falar de cinema no cinema não tenha erro, mas isso é diminuir o talento de todos os envolvidos. São clássicos porque fizeram por merecer, se esforçaram para dar ao cinema uma homenagem à altura. E é assim que mesmo com o passar dos anos, mesmo com as inovações técnicas, com as tendências do momento, sempre haverá espaço no mundo da sétima arte para que ela possa parar um pouco com tudo - com os monarcas tentando superar seus problemas pessoais, com o drama dos soldados durante a guerra e sua inadequação no retorno à sociedade ou com as crianças pobres das favelas da Índia - e pensar em si própria e em como ela evoluiu para um lugar no qual todos esses temas podem habitar. O saudosismo não fica apenas no saudosismo, ele também olha para a frente, começa novas tendências, aponta para o inexplorado, mostrando como desbravar essas terras de ninguém com base nas experiências no passado. Olhar para trás é também um meio de se redescobrir. E não existe jeito melhor de fazer isso do que numa sala de cinema com pipoca, refrigerante, boas companhias e a sensação de que um longo caminho foi percorrido até aquele momento.

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