Meu amor pelo cinema da década de 1970 não é segredo para ninguém que acompanha este blog. Não é para menos: alguns dos melhores roteiros da história foram escritos nessa época. E se é para falar de roteiros geniais, é impossível não mencionar Chinatown, filme de 1974 dirigido por Roman Polanski. O diretor polonês já havia feito um nome no cinema americano na década de 1960 com filmes de terror como A Dança dos Vampiros e O Bebê de Rosemary, mas foi com esse icônico filme de suspense que Polanski passou a ser considerado um dos melhores diretores da atualidade. Chinatown pode ser considerado um neo-noir, uma homenagem ao estilo que fez imenso sucesso nos cinemas na década de 1950. Suas principais características estão todas no roteiro de Robert Towne: o detetive durão, a femme fatale, o assassinato macabro e com vários suspeitos. Porém, as sacadas brilhantes do roteiro, que reserva várias surpresas, e a direção precisa de Polanski fazem o filme fugir dos clichés e, anos depois do auge do noir, praticamente reinventar o gênero.
Estragar as surpresas do final bombástico do filme é um crime, então fique tranquilo caso ainda não tenha visto o filme: essa análise é livre de spoilers. A trama se passa em 1937, em uma Los Angeles menos ensolarada do que o de costume. O detetive Jake Gittes (Jack Nicholson) é contratado pela esposa do engenheiro-chefe do Departamento de Energia da cidade para seguir e investigar seu marido, Hollis Mulwray. Gittes cumpre seu trabalho e fotografa o ricaço com uma mulher mais jovem - apenas para no dia seguinte ser contatado pela verdadeira Evelyn Mulwray (Faye Dunaway, uma das musas da década de 1970). Percebendo ter sido enganado por alguém, Gittes decide investigar quem seria o responsável pela armação, apenas para descobrir que Hollis Mulwray foi encontrado morto por afogamento. Percebendo ter sido jogado em uma rede de intrigas mais complexa do que supunha, Gittes começa a investigar também o assassinato, e a investigação faz com que aos poucos ele conheça mais a respeito do passado de Evelyn. Os dois, como num bom filme noir, começam a se envolver, mas Gittes não demora a suspeitar da própria Evelyn, que parece disposta a esconder muitas coisas do detetive.
Enquanto segue muitos dos elementos do cinema de suspense, o roteiro de Chinatown alcança sua genialidade nas revelações de seu desfecho e sua sequência final memorável e até mesmo angustiante. O filme não está preocupado, realmente, em fazer os espectadores se sentirem confortáveis. O filme fala de traições, assassinatos cruéis e ambição, e leva até o fim seu retrato de algumas das características mais podres dos seres humanos. É na frase de um personagem no fim do filme - Forget it, Jake, it's Chinatown - que parece estar resumida toda a moral do filme. Jake não pode se esquecer de nada do que viu ou passou, assim como quem assiste o filme. Certas coisas não podem ser esquecidas nunca, jamais. Especialmente pelas pessoas que, à sua maneira, ainda acreditam que podem fazer algo para melhorar aquilo que as cerca.
Chinatown é um filme que assombra quem assiste por algum tempo. Mais estranho que isso, e talvez a melhor parte de tudo, é que isso não causa nenhum arrependimento no espectador. Acreditem, é um dos melhores thrillers de mistério, se não o melhor, já transposto para as telas do cinema. Seu roteiro ganhou o Oscar de melhor roteiro original e o filme ganhou 4 Globos de Ouro, incluindo melhor drama. Mais do que isso, o longa deixou marcas indeléveis no gênero, fez uma porção ainda maior do público de cinema conhecer Polanski e deixou de herança um dos filmes mais sombrios e bem-feitos de um estilo de filme que já é sombrio até em seu nome.
Nota: 5,0 de 5,0.
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