terça-feira, 20 de março de 2012

Análise: Shame

Se há um filme que gerou um número considerável de controvérsias ao redor de si nos últimos tempos, esse filme é Shame, apenas o segundo longa do diretor britânico Steve McQueen. Sua abordagem direta e explícita do sexo aparentemente não agradou em nada o público médio e conservador de cinema, e verdade seja dita, consigo entender o porquê. Não que eu ache as cenas de sexo de Shame algo do outro mundo - para quem já viu Os Idiotas ou O Anticristo de Lars Von Trier, essas cenas ficam quase banais -, mas inegavelmente elas fogem do padrão "seguro" estabelecido para o cinema pipoca. Mas o problema das polêmicas aqui é que elas acabam desviando o foco da discussão do próprio filme e falando mais alto. Shame é muito mais do que polêmicas e, por trás delas, há uma história interessante, bem-trabalhada e inegavelmente perturbadora.

A trama tem como foco Brandon Sullivan (Michael Fassbender, facilmente uma das melhores atuações do ano), o típico trintão bonito, bem-sucedido e independente, morador de Nova York e modelo de sucesso do século XXI. Por trás dessa fachada, porém, há um Brandon compulsivo por sexo. Ele flerta com desconhecidas no metrô, acessa pornografia no trabalho, sai a noite com o único objetivo de sexo sem compromisso e não consegue imaginar uma relação com uma mulher que não se baseie exclusivamente em tesão. A rotina previsível de Brandon, porém, é interrompida com a visita de sua irmã Sissy (Carey Mulligan), uma aspirante a cantora. A relação dos dois não é das melhores: Brandon se vê incomodado com a intromissão de Sissy em vários aspectos de sua vida, em especial sua vida sexual, e não consegue lidar bem com o fato dela engajar um relacionamento com seu próprio chefe, um homem casado. A aproximação dos irmãos eventualmente começa a despertar o que há de pior em Brandon e intensificar sua obsessão sexual, a ponto de levá-lo a queimar todas as suas pontes sociais - além de tornar Brandon cada vez mais insensível aos problemas da própria irmã.

Steve McQueen tem alguns momentos de genialidade em Shame. Sua direção é segura e garante algumas cenas memoráveis. Assistir a personagem de Carey Mulligan cantando "New York, New York" e levando seu irmão às lágrimas quase produz o mesmo efeito no público. O ápice dramático do filme também é de tirar o fôlego, mais um ponto para McQueen. A seu dispor e para sua grande ajuda, estão os trabalhos do montador Joe Walker e do diretor de fotografia Sean Bobbitt (que, aliás, faz um espetáculo de sutilezas ao longo do filme que ajuda a suavizar seu peso quando necessário, mas não "poupa" o espectador de nada ao mesmo tempo). O roteiro não se preocupa em oferecer muitas respostas. O que impulsionou a compulsão de Brandon, o que aconteceu em seu passado, que problemas que aconteceram entre ele e sua irmã anos antes do período do filme, nada disso é realmente importante para a história que Shame quer contar. O filme é uma análise crua sobre a derrocada de uma pessoa vencida por seus demônios e a dificuldade de superar os próprios monstros. Não há nada de erótico em sua execução, apenas uma jornada de incertezas.

No mais, Shame é um palco para Fassbender. O ator tira de letra um personagem extremamente complexo e perturbado, numa atuação bastante corajosa. Tiro meu chapéu. Pondo tudo isso em consideração, fica o reforço: o filme é uma obra para ser analisada além de suas controvérsias. Ele recebeu uma classificação adequada de 18 anos, e isso é o bastante para resolver a questão da abordagem do sexo. O resto é com o público. Para quem gostou de Réquiem para um Sonho, longa genial de Darren Aronofsky que também aborda o tema da obsessão, no caso, da dependência de drogas, Shame é obrigatório. Vale a pena ser conferido.

Nota: 4,5 de 5,0.

2 comentários:

  1. Sofro do mesmo mal do personagem do filme, e te digo, é exatamente isso, impressionante como conseguiram fazer um retrato tao fiel dessa triste condição humana. Triste pelo fato dela te impedir viver uma vida inteira, o sexo te consome e norteia os minutos do seu dia. Enfim, espero que as pessoas vejam esse filme como um relato real da vida de muitas pessoas.

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  2. Assisti 2 vezes ao filme e me identifiquei com o personagem, nem tanto pelo lado compulsivo, mas pela forma descomprometida que ele quer levar a vida. A cena que ele está em um encontro com sua colega de trabalho deixou claro pra mim que, embora ele tenha a clara ideia dee que não quer nada sério, ele tenta se enxergar em uma situação dessas. A continuação do encontro (a tentativa de sexo) deixa isso mais evidente. Indico o filme e diversas mensagens, além da temática 'sexo', podem sair dele.

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