Falar de um filme de Almodóvar não é uma missão fácil. Por mais que eu goste de seus filmes, o que acontece com uma frequência bastante grande, inclusive, sua complexidade de temas abordados em cada vez e sua estética bastante particular tornam o trabalho de analisar qualquer obra sua algo complicadíssimo. Em particular, é difícil falar de A Pele que Habito, o mais recente trabalho do diretor, sem entregar revelações vitais do enredo, algo que me esforçarei para evitar.
O enredo gira em torno do cientista Robert Ledgard (num retorno de Antonio Banderas a um filme de Almodóvar), que em 2012 afirma ter sido capaz de criar uma pele mais resistente e imune a queimaduras. Ledgard afirma categoricamente ter testado sua pele artificial apenas em ratos de laboratório, mas logo somos levados a questionar essa afirmação e a sanidade do cientista ao descobrirmos que ele mantém uma mulher, Vera Cruz (a lindíssima Elena Anaya), cativa em sua casa, sob os cuidados de sua governanta, a misteriosa Marilia (Marisa Paredes, conhecida dos fãs de Almodóvar por Tudo Sobre Minha Mãe). Ledgard e Vera mantêm uma relação que mistura repulsa e atração, ódio e fascínio. Enquanto Vera obviamente não possui sua liberdade, Ledgard também se revela preso a Vera de múltiplas maneiras. Com o tempo, vamos descobrindo a origem da "ligação" entre os personagens e conhecendo melhor suas histórias e os traumas familiares de Ledgard, enquanto a trama se encaminha para um final imprevisível e brutal.
Em termos estéticos, é preciso ressaltar que esse é o filme de Almodóvar menos linear em termos de narrativa. Os flashbacks, recurso utilizado para revelar a identidade de Vera Cruz e contar o passado dos personagens centrais, são abundantes e chegam a ocupar quase metade do tempo do filme. Também, em minha opinião, é o filme mais violento de Almodóvar, em mais de um sentido. Enquanto existem cenas bem gráficas de assassinato, o que mais me impressionou foi a violência que marca os temas centrais do filme: privar alguém de sua liberdade e, talvez ainda com mais força, de sua identidade. As ações de Ledgard não são justificáveis de forma alguma, por pior que sua história de vida seja, e deixam latentes não apenas uma inegável loucura, mas também um egocentrismo alucinado. Mais do que alertar para como a ciência pode cruzar e alterar o caminho da individualidade humana quando não é administrada por uma mente sã, A Pele que Habito é um estudo da sanidade em si.
Se não é um dos melhores filmes de Almodóvar, que já nos presenteou com clássicos como Fale com Ela e Tudo Sobre Minha Mãe, A Pele que Habito é sem dúvidas um grande filme e um trabalho muitíssimo bem executado pelo consagrado diretor espanhol. Porém, se você não é realmente íntimo da obra do cineasta, sugiro que comece a conhecê-lo por algum de seus filmes mais famosos. Se esse já não é seu caso, veja sem medo. Se possível.
Nota: 4,0 de 5,0.
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