quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Flashback: Crepúsculo dos Deuses

Uma das coisas que mais se diz a respeito dos filmes de 2011 é como o cinema no ano que acabou de terminar pareceu dedicado a fazer uma homenagem a si próprio. Um dos blockbusters de maior sucesso do ano, Super 8, foi acima de tudo uma homenagem aos filmes de ficção científica das décadas de 1970 e 1980. Dois favoritos ao Oscar, O Artista e A Invenção de Hugo Cabret, têm como tema principal uma homenagem à sétima arte. O fato é que, de tempos em tempos, Hollywood sente a necessidade de manifestar publicamente um pouco de amor próprio, usar a carta da metalinguagem e levar a si própria para as grandes telas. Enquanto o tema é quase sempre uma homenagem, em alguns momentos diretores e roteiristas perceberam que o assunto poderia servir perfeitamente como roupagem para uma análise de alguns aspectos mais obscuros do ser humano. E se formos de volta para exatamente a metade do século XX, em 1950, poderemos encontrar o exemplo mais clássico disso. Billy Wilder, um dos maiores diretores da época, fez um dos filmes noirs mais inusitados da história com Crepúsculo dos Deuses.

O começo do filme é daqueles icônicos, o tipo de cena que fica gravada na história do cinema, não importa quantos anos se passem. O corpo do roteirista Joe Gillis (William Holden) aparece boiando numa piscina, observado pela polícia. A narração do próprio Gillis entra em off imediatamente, e o protagonista começa a explicar os eventos que conduziram à sua morte em uma mansão na famosa Sunset Boulevard (que, aliás, é o título original do filme). Gillis nos conta como sua carreira em Hollywood não estava indo exatamente de vento em popa. Tendo seus scripts constantemente recusados pelas produtoras e afundado em dívidas, Gillis se vê obrigado a fugir certo dia de seus cobradores e acaba buscando refúgio na casa de Norma Desmond (Gloria Swanson, mostrando que "aula de atuação" é mais que um clichê), uma mulher de meia idade de hábitos estranhos e temperamento explosivo. Norma vive sozinha a não ser pela companhia de seu reservado mordomo, Max (Erich von Stroheim). Apesar da estranheza do encontro inicial, Gillis logo descobre que Norma foi uma das atrizes mais famosas do cinema mudo. Logo, os dois selam um acordo: Gillis escreverá um roteiro para reviver a carreira de Norma e ela o abrigará em sua casa e pagará suas dívidas. Receoso a princípio, Gillis se vê forçado a aceitar os termos e rapidamente se acostuma à sua nova vida.

Não demora, porém, para o roteirista perceber que sua contratante tem interesses além dos profissionais nele. Gillis decide não corresponder aos sentimentos da temperamental artista a princípio, mas quando Norma tenta se suicidar ao ser rejeitada, ele se torna mais receptivo às suas investidas. A situação se complica ainda mais quando Gillis começa a trabalhar em segredo em um roteiro com uma funcionária da Paramount, Betty (Nancy Olson), e o relacionamento entre eles começa a evoluir para algo mais sério. Gillis se vê no centro de um quadrilátero amoroso entre ele, Betty, a obsessiva Norma e o ciumento Max, que rapidamente atinge um nível insustentável com as atitudes inesperadas de Norma. Conforme o filme caminha para seu desfecho anunciado e drástico, a derrocada mental da atriz vai ficando cada vez mais evidente. É impossível deixar de ressaltar a cena final do filme, quando Norma, já completamente enlouquecida, desce de forma teatral as escadas de sua casa tomada pela polícia, encarando a câmera e dizendo a frase mais famosa do filme: "All right, Mr. De Mille, I'm ready for my close-up".

Crepúsculo dos Deuses foi um dos filmes mais revolucionários de sua época. O longa possuía toda a estética do noir, que estava na moda naquela época, mas seu tema é bastante incomum para um filme do gênero, usualmente focado em detetives, femmes fatales e gângsters. O filme foi um dos primeiros a abordar as dificuldades enfrentadas por alguns atores clássicos do cinema mudo em fazer a transição, às vezes sem sucesso, para os filmes falados - aqui, conduzindo a um desfecho trágico. O roteiro também foi bastante incomum e inovador para a época: o narrador morto contando sua história, no melhor estilo Brás Cubas, fazendo com que todo o filme fosse, de fato, um grande flashback. Crepúsculo dos Deuses foi um marco de sua época, acabou indicado a 11 Oscars, vencendo 3 (inclusive um por seu roteiro), e é presença indispensável em qualquer lista de melhores do cinema. Pode parecer exagerada para alguém de hoje em dia a afirmação de que o filme foi determinante para mudar várias concepções do cinema de suspense, mas ele sem dúvidas revitalizou o gênero e foi um divisor de águas hollywoodiano. Afinal, se uma hora ou outra inevitavelmente um filme acaba se tornando responsável por estabelecer novos parâmetros para o cinema, isso não diminui o mérito daqueles que efetivamente chegaram lá e fizeram as coisas acontecerem.

Nota: 5,0 de 5,0.

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