segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Flashback: Taxi Driver

Existem certos anos que são especiais para algum determinado aspecto cultural. Pense em 1991 para o rock e veja a quantidade de álbuns lendários que foram lançados naquele ano, por exemplo. Smells Like Teen Spirit, do Nirvana, Ten, do Pearl Jam, Achtung Baby, do U2, o Black Album do Metallica, Blood Sugar Sex Magik do Red Hot Chilli Peppers e Arise, do Sepultura, só para citar alguns. Foi um ano em que tudo funcionou para o rock. Em 1991, o mundo era rock. Se pudermos fazer algo semelhante com o cinema, eu diria que precisamos olhar para 1976. Basta uma análise rápida nesse ano para entender por quê. Sidney Lumet lançou nesse ano sua obra-prima, Rede de Intrigas, um filme sobre televisão que 36 anos depois ainda é talvez sua paródia mais pontual e sagaz; Alan J. Pakula lançou o maior thriller político de todos os tempos, Todos os Homens do Presidente; dois dos mais importantes filmes de terror do cinema foram lançados, Carrie, a Estranha, de Brian de Palma, e A Profecia, de Richard Donner; Rocky, de John G. Avildesn, conquistou plateias no mundo todo; no Brasil, Dona Flor e Seus Dois Maridos batia recordes de bilheteria. E para coroar tudo isso, Martin Scorsese não ficou para trás e lançou o que seria um marco na sua carreira e o levaria à condição de estrela em Hollywood: Taxi Driver.

Scorsese cria um conto urbano ambientado em uma Nova York de prostituição e marginalidade - ou pelo menos é assim que ela é vista pelo protagonista, Trevis Brickle (o magnífico Robert De Niro). Um veterano da Guerra do Vietnã, Travis dirige seu táxi pela noite da cidade mais importante do mundo, tem como únicos amigos os colegas de profissão e usa todo seu pouco tempo livre vendo filmes pornô em cinemas. Ele não é, de forma alguma, o que poderíamos chamar de um cara simpático. Travis obviamente não conseguiu se ajustar novamente à sociedade ao voltar da guerra e passa um longo tempo alimentando ideias de como as ruas de Nova York deveriam ser "limpadas" de toda sua sujeira, ou seja, as prostitutas e marginais. Ele começa a sair com Betsy (Cybill Shepherd), uma voluntária no comitê de eleição do senador Palantine, que está concorrendo à presidência, mas o relacionamento não vai a lugar algum quando Betsy é incapaz de se conectar com Travis.

Pouco a pouco, Travis vai mergulhando em um redemoinho de insanidade. Ele compra uma arma, raspa a cabeça e passa a fantasiar a ideia de se tornar um justiceiro. Ele desenvolve uma obsessão pelo senador Palatine e passa a acreditar que deve matá-lo, mas seus planos são frustrados. Porém, é quando conhece Iris (Jodie Foster, revelando-se para o mundo), uma prostituta de 12 anos, que Travis atinge o ápice de seu tormento mental. Desenvolvendo uma afeição pela garota, ele decide "salvá-la" do mundo da prostituição, e para isso ele decide que chegou a hora de usar sua arma para valer - e o tiroteio que se segue é uma das cenas mais violentas do cinema (e que deveria ter sido ainda mais gráfica, mas Scorsese acabou precisando editar digitalmente o sangue da cena para que ele não ficasse tão evidente, o que poderia deixar a classificação do filme ainda mais pesada).

Toda a estrutura de Taxi Driver estava a frente do cinema da época. O roteiro não apresenta personagens essencialmente carismáticos - todos parecem estar de uma maneira ou outra, "corrompidos" -, deixa muitas perguntas sem respostas, toca em temas delicadíssimos ainda hoje, em 2012, como a prostituição infantil e apresenta um dos desfechos mais controversos e discutidos do cinema. A sequência final do filme, onde o taxista é saudado como um herói pela mídia e por Betsy aconteceu realmente ou é apenas um delírio de um Travis agonizante em seus últimos momentos? Scorsese também não poupa o espectador: ele apresenta um mundo cinza, destruído por seus próprios paradoxos e pilares frágeis em que resolveu se apoiar.

Taxi Driver se tornou um dos filmes mais polêmicos de sua época, foi indicado à 4 Oscars e virou presença obrigatória de qualquer lista de melhores do cinema nos anos posteriores. Scorsese disseca a loucura como um dos trágicos produtos naturais do mundo moderno. Travis e Iris são dois personagens que jogaram suas cartas do modo como o mundo as apresentou, unidos em sua incompletude contemporânea, em seu distanciamento dos padrões e no fato de serem um resultado inevitável de um mundo cada vez mais problemático. Unidos, formam um retrato de uma sociedade traumatizada por uma guerra e tentando, da mesma forma que tenta até hoje, apagar as cicatrizes que tomaram conta de seu corpo.

Nota: 5,0 de 5,0

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