sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Análise: Cavalo de Guerra

Acho que já mencionei aqui como a maior parte da carreira de Steven Spielberg pode ser dividida em duas categorias diametralmente opostas. O primeiro Spielberg, que predominou durante quase todo o começo de sua carreira foi o família, a diversão leve, agradável e primorosamente executada. É o Spielberg de ET, de Indiana Jones, de Contatos Imediatos de Terceiro Grau. Há também um Spielberg que surgiu mais tarde. Sua base estava ali em Tubarão, mas só se desenvolveu de fato alguns anos depois. Esse Spielberg é o adulto de A Cor Púrpura, de A Lista de Schindler, de Munique. Durante toda sua filmografia, por quase quarenta anos, Spielberg foi e voltou com sucesso nessas categorias. Então temos Cavalo de Guerra, um texto que apareceu primeiramente em um livro da década de 1980, foi transformado em peça e por fim em longa metragem. Cavalo de Guerra parece ser um argumento ideal para construir um filme que visite os dois opostos da carreira de seu diretor. Mas existe um grande problema nisso tudo: a intenção é boa, mas a execução, nem tanto.

Sim, o filme tem pontos positivos. Duas coisas que Spielberg nunca teve dificuldade em fazer foram reconstituições históricas e cenas de guerra, e elas aparecem de maneira impecável aqui. A velha turma do diretor também aparece com competência: Michael Khan edita dando o tom e o clima das partes do filme, John Williams faz uma trilha que se encaixa como uma luva e Janusz Kaminsk conduz, na maior parte do filme, a fotografia com momentos de grandiosidade. (Digo na maior parte porque, em determinados momentos, o abuso de efeitos digitais estraga completamente a composição. Fica parecendo que a fotografia quis homenagear os tempos de Technicolor e eu me peguei lembrando várias vezes no cinema de E o Vento Levou. O problema é que nesse filme a estética da fotografia era uma necessidade, não uma opção, e funcionava muito bem, enquanto no filme de 2011 tudo parece muito forçado e exagerado.)

Mas vamos direto ao ponto: o que realmente me incomodou, o ponto central de todos os problemas do filme, foi o roteiro. Em linhas gerais, para evitar qualquer revelação, Cavalo de Guerra acompanha a amizade de um rapaz do interior, Albert (Jeremy Irvine), e seu cavalo, Joey, de quem ele criou e o cuidou desde quando ainda era um potro. Por uma série de razões, homem e animal são separados quando Joey é vendido para um soldado embarcando para a Primeira Guerra Mundial (Tom Hiddleston). O cavalo passará por vários donos e será pano de fundo para várias histórias, enquanto Albert decide ele próprio ir atrás de seu animal assim que atinge a idade para se alistar no exército. É aí que o grande problema acontece. O que era um filme de fantasia rapidamente se torna um apanhado brutal da guerra. Spielberg não chega a repetir um Resgate do Soldado Ryan, mas o filme se torna inegavelmente mais pesado do que sua primeira meia-hora parecia indicar. Ao longo da trama, os dois universos voltam a se fundir, e o filme cada hora pisa em um campo diferente, já tendo desandado completamente na sua hora final. Cavalo de Guerra acaba se tornando forte demais para um filme família, mas fantasioso demais para um filme de guerra. Na intenção de fundir os elementos de maior sucesso de Spielberg, o filme acaba não cumprindo bem nem uma coisa, nem outra.

Sendo assim, é um filme muito ruim? Não. Spielberg não deixa de ser Spielberg e em vários momentos a presença de sua mão na direção trazem momentos interessantes ao filme. Mas isso não impede o filme de perder seu rumo, eventualmente. Se a ideia é misturar os lados mais leves e sombrios que marcam o diretor, o conselho é assistir dois filmes seus, hoje clássicos: Império do Sol e AI: Inteligência Artificial. O diferencial é que esses filmes nunca foram planejados para serem interpretados como leves, embora tenham sido entendidos erroneamente como tal muitas vezes. Já Cavalo de Guerra se vende assim, embora não tenha certeza de que é isso que realmente quer ser.

Nota: 2,5 de 5,0.

4 comentários:

  1. Sabia que você daria uma nota mediana para esse filme. Ótima resenha. Spielberg é sempre Spielberg, mas a impressão que tive foi a de que ele errou de mão total nas dosagens de "família/fantasia" e "realidade/brutalidade". Acho que todo o universo de uma ficção acaba se construíndo para legitimar, inconscientemente ou não,os acontecimentos da trama. Em Cavalo de Guerra, senti que a má execução deste ponto central de qualquer narrativa, criou um abismo entre o que ocorria na tela e como o espectador sentia aquilo como real e importante. Numa guerra, onde famílias inteiras saem destruídas, um cavalo seria assim tão relevante? Poderia ser; mas a construção desajeitada do filme, não supera o primeiro obstáculo da ficção: a empatia. Fica tudo forçado demais e esse me parece ser o maior pecado de Cavalo de Guerra.

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    1. É por isso que eu acho que você tinha muita razão numa coisa que falou: o filme seria melhor se fosse uma animação. Cada vez me convenço mais disso. A animação poderia quebrar esse choque de inverossimilhança no tema do filme, porque sempre estamos mais dispostos a perdoar inverossimilhanças nas animações. E essa opção ainda deixaria o contraste brutalidade/leveza mais interessante.

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    2. Pensei nas animações porque elas costumam se sair melhor em dar personalidade a animais ou objetos. O personagem principal do filme não é o garoto que criou o cavalo ou uma das pessoas que conviveu com ele, mas o próprio cavalo. Ficou passando pela minha cabeça durante toda a sessão várias cenas de "Buddy - o cão amigo" e não sei se isso foi legal pro filme, hahah.

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  2. O protagonista do filme é o cavalo, bem apontado. Mais uma razão para o filme ser uma animação. E te respondo: não, não é bom sinal, haha. Mas o que está feito, está feito. Até Spielberg tem seus dias.

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